Tem um vício, um único e
exclusivo vício. Não bebe nem fuma e joga menos ainda. Melhor que não saísse de
mesa de jogo e, bêbado, tragasse três maços de cigarros vagabundos por dia. Por
que não perde o salário em apostas e volta para casa levando só um beijo? Ainda
que seja um, unzinho, como ela diz. Melhor chegar carregado por vizinhos,
tossindo conhaque azedado e com roupa suja. Bem melhor o filho de dez anos
passar vergonha do pai. O que não pode é ter o vício que tem. A mulher, os
parentes, vizinhos e amigos pedem e aconselham. Educado que só vendo, ouve
calado, a cabeça baixa denuncia a postura dos errados. A mulher? Não tem coisa
que já não tentou: pôs reza na comida e nas roupas, falou com o padre, ameaçou
beber veneno e por vidro moído no jantar. Uma vez mandou o marido para a
psicanálise, claro que não deu certo. Quatro sessões e já dormia com a doutora.
Vizinha que fosse nova, o viciado labiava e, em pouco tempo, já abraçava e
beijava. Colegas do escritório, casadas e solteiras, já foram todas vitimadas
pela malícia do rasga-saia.
Não fosse tudo isso, ainda
mantém uma zinha, com casa e comida e o que mais ela puder arrancar do
degenerado. Duas visitas semanais custam os olhos e os cartões. É um tanto para
o remédio do filhinho doente. Alguém viu criança alguma? Outro tanto para
aluguel, luz, água e telefone. Quando pode, e tem que poder, uma joia para
presentear a mãe que mora longe e uma camisa para o pai que vive no asilo.
Basta uma boquinha e o corrompido derrete, uma linguinha e o impuro entrega
dedos e anéis.
Quando um primo disse que o
salafrário agia assim porque não amava a esposa, só não apanhou do mulherengo
por interferência de outros parentes. Ama sim, a santa, a esposa, a mãe do seu
filho. Um dia ainda vai mudar, sabe-se lá quando. Jura e até beija a
medalhinha, é devoto de Santo Antônio.
A santinha, a esposa, sabia,
desde os tempos de namoro, da iniquidade do sujeito. Fosse onde fosse, o
diabinho atentava e o desalmado batia o rabo de olho em qualquer vestido que
passasse. Tinha fé, a inocente, que o amor mudasse a criatura. Pois não muda
nem amarrado. Comida do gosto dele, o docinho preferido. Sempre bonita, foi
perdendo o gosto por se enfeitar. Roupa nova? Faz tempo não comprava. E era um
nada de batom, creme ou o que fosse, já nem as unhas pintava. Tinha vergonha de
sair à rua, ouvia seu nome sair das bocas boateiras. Conselhos não ouvia, que todos
eles levavam à separação. Melhor com ele assim mesmo, do que sem ele. E, nesses
momentos, tem a inimizade do tempo: o dia não passa e a noite não termina. Fez
cursos de pintura e de poesia e não conseguiu pintar um verso que fosse. Brigar
não adianta mais. Ameaças? Ele já nem liga. Jura que vai mudar, o safado, e vai
atrás de algum vestido.
Foi, a imaculada, chorar no
ombro materno. Ficara sabendo, por uma língua ferina, que o viciado mantinha
amante. Com endereço e tudo! Era o fim: trocada por uma fulana com casa
montada! Imagina! O marido dormindo ao lado da outra. O fim, mãezinha, o triste
fim! Não? Ainda tem um jeito? Um trunfo? Ás na manga? Fala, mamãe, fala logo...
O menino dormindo e uma
vizinha tomando conta. Nada de jantar, nem na mesa, nem no fogão, nem na
geladeira. A mulher se vai e não sabe o paradeiro de ninguém e também se
soubesse não falava, não gosta de se meter onde não é chamada. Quando a
santinha chega tem outro cabelo: novo corte, tingido e arrumado. As unhas
cortadas e pintadas de um vermelho de dona de cabaré. O que tem nas sacolas?
Roupas, querido. Quer que mostre um vestido? Mostrou, ali mesmo, na sala,
coladinho ao corpo, decotado e curto. Na cama, o tarado queria e ela sofria com
dor de cabeça. Uma pena!
Os dias acabaram ficando
curtos. Quem acha tempo para ginástica, cabelereiro, manicure, compras, um
cineminha? Onde estava? Ah, uma bebidinha com as amigas. Tou bonita? Gostou da
roupa? Tá com ciúme? E não é que o parvo nem respondia? Quis um beijo e ela até
daria, não fosse a insistente dor de cabeça. Promete que amanhã chega cedo? Ele
prometeu, o lambão.
A formiga do ciúme mora no
travesseiro do infiel. Primeiro vem uma, depois outra, e outras, até que o famigerado
se vê com a cabeça enfiada num formigueiro. Um amigo vaticinou: mulher casada
que não se cuida empurra o marido para outra, mas mulher que muito se cuida
empurra o marido para fora. Tem outro, a ex-santa, a desenvergonhada. Mulher
nenhuma o atrai como antes, quinze dias faz que não visita a zinha. Sabe
quantas vezes fizemos amor, nos últimos trinta dias? As formigas respondem em
coro: nem uma vezinha! Nem um beijinho, desde que começou a se arrumar todo
dia? O formigueiro, em festa: é a dor de cabeça! Nunca, nunca teve uma só
dorzinha, nem na gravidez. Duas formiguinhas, uma em cada ouvido, murmuravam:
fingida, fingida!
O que é bom fazer quando a
noite não termina? Beber e fumar, começa amanhã. Por esta noite, basta lavar o
rosto e beber água, sentar e por a cabeça para pensar. Até faria tudo isso, não
fosse a bolsa em cima da mesa. Escova de cabelo, espelho, cosméticos, carteira
e papel com nome de homem e número de telefone. Tivesse uma arma e mataria a
sem-vergonha, nem se lembrou da faca de churrasco na gaveta da cozinha. Voltou
ao quarto e vestiu-se, apanhou a mala vazia e a chave do carro. A leviana, a
pagã, ressonava e sonhava com o amante. Tinha até um sorriso nos lábios.
Acelerou fundo enfrentando a
escuridão da noite. Em minutos parava em frente à casa da outra, a chave na mão
trêmula. Invadiu o quarto e nem notou o casal que dormia abraçado. Na mala enfiou
todos os cosméticos que descansavam na penteadeira. Abriu uma das gavetas do
armário e escolheu algumas calcinhas e sutiãs. Numa outra achou o colar de
pérolas.
Ao voltar, encontrou a mulher
sentada na cama. Aonde foi, querido? Nem respondeu, mandou que a santinha
tirasse a roupa. Tudo? Sim, tudo. Jogou o conteúdo da mala sobre a cama, a
imaculada vestiu uma minúscula calcinha vermelha e um sutiã tão pequeno que só
servia mesmo de enfeite. Meteu no pescoço o colar e tingiu os lábios de carmim.
Abriu os braços e amaram-se. Os corpos se misturaram aos objetos da zinha.