11/11/2009

CORPO MARCADO


O homem entrou na casa, seguido de perto pelo menino. Alto, forte, a imponência enfiada no terno. O chapéu deveria servir mais para mostrar orgulho do que cobrir alguns cabelos brancos. O garoto era o oposto, magro e escondido dentro da calça de brim e da camiseta branca, óculos apontando para o chão. O homem parecia estar sozinho, o menino, se não fosse tão pequeno e franzino, era sua sombra. Parou no meio da sala e apontou um sofá, o menino sentou entre dois homens. Seguiu pelo corredor e entrou no primeiro quarto, os três da sala seguiram com os olhos. Alguns minutos depois, voltou, parou à porta, chamou o garoto e mostrou o quarto. Enquanto o pai sentava no sofá, o filho entrou no quarto. A mulher estava sentada na cama, o vestido curto mostrando as pernas. Pediu que fechasse a porta e se aproximasse. Calado, sentou ao seu lado. Ela, suavemente tirou seu óculos, dois olhos criaram vida.
--Fica mais bonito assim. Meu nome é Laura, você é o Lúcio?
--Sou.
--Tem quinze anos?
--Tenho.
Os dedos experientes despiram a camisa. Logo ele estava nu e deitado, muitas mãos passeavam no seu corpo. Quieto, calado, estático, lágrimas nos olhos.
--Chorando? Todos tem a primeira vez, você vai gostar.
Virou de costas para a mulher, soluços quebrando o silêncio, ele tremia. Ela assustou-se com as marcas nas costas, umas vermelhas, outras arroxeadas, marcas como se fossem feitas por...
--Cinta? É isso? Como foi?
--Foi ele, o velho. Eu não queria vir aqui.
Ela o abraçou, ainda de costas o menino sentiu o corpo quente da mulher, parou de tremer. As mãos carinhosas puxavam o corpo magro, ele acomodou-se na barriga dela, os soluços silenciaram, os olhos secaram. As mãos tocando o cabelo, o garoto adormeceu, como um bebê desejando a proteção do ventre. A mulher gostou, era o desejo de ter um filho assim, saindo de dentro dela, adormecendo nela. Algum tempo depois acordaram com batidas na porta, vestiram-se, o menino saiu.
--E então?
--Foi homem três vezes, o danado parece o pai...
Ele entregou o dinheiro para a mulher e saiu, o menino seguiu logo atrás, óculos apontando para o chão.
O garoto voltou alguns dias depois, sozinho, entrou no quarto e a chamou pelo nome:
--Também lembro do seu. Lúcio, não é?
Ele tirou a roupa e deitou, de lado. Laura viu as marcas, eram outras, outra surra, os lábios tocaram todas.
--O que foi desta vez?
--Hoje sentiu o cheiro do cigarro, ontem porque demorei para chegar da escola.
--E sua mãe? Não interfere?
--Morreu, coitada, agora descansa das surras. O velho mal chegava em casa e a cinta já estava na mão, feito um chicote procurando o escravo.
--E você? Até quando vai agüentar?
--Não sei, ele é forte, não posso fazer nada...voltei para agradecer...pela mentira...se ele soubesse que fracassei...
--Você já teve namorada?
--Não.
--Não sente vontade de fazer nada comigo?
--Não.
Ela o abraçou, a barriga nas costas dele, dormiram. A manhã encontrou os dois na mesma posição. Mãe e filho.
Várias vezes o menino voltou. Já não falava quase nada, despia-se, deitava sempre do mesmo jeito. Do mesmo jeito ela fazia, beijava as feridas, encostava abraçada, e sonhavam. Já sabia alguma coisa dele, o pai era um rico fazendeiro, influente, sempre envolvido em intrigas políticas e trapaças, famoso também pela violência com que tratava os empregados e desafetos. Sabia, também, que mais cedo ou mais tarde, o garoto iria estudar na cidade grande. Era assim com os filhos dos homens ricos. Desapareciam por alguns anos e voltavam ostentando um anel no dedo. Advogados, engenheiros, médicos, muitos que passaram pelas camas daquela casa. Uns ingratos que nem se lembravam em quais daquelas mulheres derramaram sêmen, em quais deixaram seu ódio, ou inveja, ou ciúme. Elas estavam ali para isso, para receber o dinheiro e depois dormir com esses sentimentos ruins dentro delas. O garoto era diferente. Lúcio não seria assim, era um menino bom, só queria um pouco de carinho, dormir e sonhar, protegido, envolvido pelo ventre da mãe.
Quando chegou o dia do garoto partir, ela entristeceu, sentiria falta sim. Ele chorou, prevendo a saudade. Mas nada a fazer, ao menos ficaria longe do pai. Levaria outra vida, mais independente, mais livre. E quando voltasse seria um homem. Formado e rico, pronto a esquecer os maus tratos do velho... O menino tinha então dezoito anos, por três anos chorara na sua cama e se escondera no seu ventre.
Quatro anos e muitos homens passaram por seu quarto, Lúcio era como um deles. Naquela vida não havia o luxo da saudade. Mas quando soube da morte do velho, lembrou-se do menino, ele viria ao funeral, com certeza. Quem sabe viesse vê-la? Quem sabe ficaria na cidade? Era o único filho e teria que assumir os negócios do pai.
O homem chegou à noite, o corpo forte metido no terno preto, atravessou a sala e foi ao quarto de Laura. Sentada na cama, as pernas à mostra, olhou nos olhos orgulhosos que o óculos não conseguia esconder. Era o menino. Levantou-se e recebeu o abraço demorado, sentiu a força daquelas mãos que foram frágeis. Ele nada disse, tirou o paletó e a gravata, ela despiu-se. Quis abraça-lo novamente e foi empurrada. O tapa explodiu no seu rosto e a derrubou na cama, a cabeça enterrada no travesseiro. Quis falar, quando virou-se viu a cinta na mão dele, um chicote procurando a escrava. A cinta subiu e desceu. Uma duas, várias vezes. Ela já não podia falar, queria gritar e não conseguia. Ele pareceu cansar e deitou, de costas para ela. Laura o abraçou, puxou o corpo dele de encontro ao seu e, chorando, acariciou seus cabelos. Ele adormeceu, o menino no ventre da mãe. Ela não dormiu, sentia o corpo marcado pela surra. A manhã encontrou uma mulher chorando, uma prostituta que acabou de abortar.

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